domingo, 3 de maio de 2009

Pequeno tratado sobre o Chester

Você tem idéia de como se prepara um Chester?

Se você foi um daqueles criado com a vó em apartamento de carpete, sem dúvida deve fazer idéia de como se cozinha esta ave mitológica - sim, mitológica, afinal, alguém já viu um Chester vivo? Mas este, claramente, não é o nosso caso. O máximo que conseguimos produzir de um fogão é arroz, ovo frito, macarrão e plástico derretido (essa é uma história pra outro momento). Caras como nós são realmente paga-paus dos caras que inventaram comida enlatada, miojo, fast-food e o delivery. São eles os responsáveis pela sobrevivência de milhares de homens largados que fizeram a cagada de sair da casa da mãe quando foram pra faculdade, há trocentos mil anos.

Mas eu já me desviava do assunto. Alguém tem idéia de como se prepara um Chester? Eu não. Certamente, nenhum dos outros caras daqui. Mas alguém poderia dizer, leia as instruções no verso da embalagem, estúpido! Pra começo de conversa, ler instruções é coisa de mulher que acabou de ganhar uma lavadora de roupas. Você conhece algum homem que compra um celular e lê manual de instruções? Já conheceu alguém da raça que comprou um armário e parou pra perguntar se a tábua A se encaixa na tábua B utilizando um encaixe C? Se conhece, pode perguntar a ele quem beijou quem no último episódio de Gossip Girl. Com certeza você obterá uma resposta.

Mas afinal, por que estou perguntando isso? No dia 26 de abril esta humilde residência foi palco de um banquete oferecido pelos anfitriões ao nosso casal de amigos Celso e Talita, que vieram, além de nos fazer uma visita, nos trazer o vídeo de casamento deles. Casamento este que contou com outras histórias de atrocidades, que serão devidamente expostas no momento certo.

A nosso cargo ficou o preparo da anteriormente citada ave mitológica. O ser já estava em nosso freezer havia quatro meses, ocupando metade do espaço - espaço este que poderia ser utilizado com coisas mais úteis, como gelar cerveja, fazer cubos de gelo para whisky, e outros afins. O Celso ganhou o pássaro da empresa onde trabalha, como gratificação de fim de ano. Obviamente, foi incorporado ao parimônio da república, e passou a ser NOSSO pássaro. O preparo foi sendo adiado, já que faltava uma data verdadeiramente especial para assar o bicho.

E a data havia chegado. E três horas antes dos convidados chegarem, resolvemos começar a preparar o almoço. E foi aí que veio a tal da questão:

Alguém tem idéia de como se prepara um Chester?

Sabe os dias de festa, Natal e afins, quando a sua mãe, ou a sua vó, se levanta às 5 da manhã do dia anterior pra preparar o peru, e o tal do bicho fica na geladeira por um ou dois dias, antes de definitivamente entrar no forno? Coisa complicadíssima de se fazer, aparentemente.

Como é que nós, quatro seres completamente quadrados em relação a assuntos de cozinha, que tinham acordado ao meio-dia do domingo, iriam preparar um equivalente desses até as 3 da tarde?

Reunião de cúpula na cozinha. Por onde começamos? Primeiro passo: retirar a ave do freezer. Segundo passo: abrir uma cerveja.

Retiramos a ave. Neste momento nos damos conta que aquilo não é um Chester. É um bloco de gelo, duro e compacto. Nem o alto-forno da Cosipa assa aquilo em três horas. Discutimos mais um pouco sobre o próximo passo, até que chegamos a uma conclusão: naquele ritmo, a quantidade de cerveja não será suficiente até o fim da tarde. Ligamos para o Ulliana, e solicitamos uma remessa de mais latas. Problema principal resolvido. Agora podíamos tentar assar o bicho.

Retiramos o plástico. Recolhemos o líquido cautelosamente. Vai que aquele troço serve pra alguma coisa... A idéia inicial era untar a assadeira, colocar o bloco de gelo, e tascar no forno. Paciência se ficasse pronto às 10 da noite. Pra isso tínhamos um McDonalds de um lado de casa, e um Habib's do outro. Comida não ia faltar. A missão principal era se livrar daquela ave maldita ocupando espaço no freezer. Então até alí já havíamos obtido sucesso.

Foi então que percebemos mais alguns problemas. O primeiro deles, não havia manteiga na casa. Esse foi moleza: uma ligação rápida para o Dieguez (que mora no sexto andar) e tudo resolvido. O outro não seria tão fácil de resolver.

Quem é que come miúdos? Não, sério. Qual é a utilidade daquele troço? Diz a lenda que algumas pessoas melhores fazem farofa com aquilo. Honestamente, pescoço e, sabe-se lá o que mais vem naquele saquinho infernal, não fazem parte do meu cardápio. E farofa, que eu saiba, quem faz é a Yoki. Pra que então, inferno!, existe aquele saquinho plástico dentro do Chester?

Pra economizar espaço para os miúdos, você argumentaria. Pra encher a porra do saco, eu responderia. Aquele troço, quando congelado, tem uma natural tendência a colar na carne do Chester. É por isso que a sua mãe/avó acordava às seis da porra da manhã. Pra descongelar o infeliz. Assim, o saquinho plástico com os miúdos sairia facilmente, com apenas um puxão. Mas aparentemente não é tão fácil assim quando o animal mítico está em formato de picolé. O saco plástico teria que sair antes de o colocarmos pra assar, por bem ou por mal.

Após uns 15 minutos tentando puxar o desgraçado, percebemos que teria que ser por mal mesmo. O Stéfano teve a excelente idéia de colocar o bicho no microondas por alguns minutos. Talvez assim o gelo interno se desfizesse. E assim procedemos. Cinco minutos de potência máxima. Tempo para duas latas de cerveja.

Retiramos o infeliz. Rimos muito quando percebemos que os ossos das asas estavam queimados, e que a carne já estava começando a ficar cozida por fora. Imaginamos a cara daquilo depois de assar. Imaginamos a cara dos convidados vendo aquilo depois de assado. Rimos mais um pouco. Tomamos mais uma cerveja.

Mais dez minutos tentando puxar o saquinho de miúdos. Estava praticamente deflorando o animal, uma cena verdadeiramente bizarra. As pontas dos meus dedos começaram a queimar, tal era a temperatura do gelo nas entranhas do animal. Naquela batalha entre homem e animal morto congelado, a raça humana estava levando no couro.

Mais cinco minutos de microondas. Inútil. Por fora, a ave já mostrava sinais de desgaste devido à luta: a pele saindo, os ossos das asas pretos, o couro levemente dourado. Se alguém que esperasse comer aquilo a visse naquele estado, teria ligado pro delivery à tempos. Cansados, à ponto de desistir, o S tem mais duas excelentes idéias. A primeira, ferver água no microondas e jogar dentro do Chester, forçando o descongelamento. A segunda, abrir outra cerveja.

E assim procedemos: fervemos água num copo, seguramos o animal pelas pernas e, como torturadores medievais da Santa Inquisição, derramamos o líquido quente nas entranhas do bicho. A coisa parece ter tido efeito, e o saquinho começou a sair. Mas não foi o suficiente. Tivemos que repetir a operação por mais duas vezes, até que, enfim, sucesso! O saco plástico com os miúdos saiu. Bom, mais ou menos - há uma teoria que diz que parte dele ficou lá dentro e se incorporou à carne depois de assada.

Depois de congelada, descongelada, congelada novamente, e descongelada à base de sessões de microondas e água fervente, a ave estava pronta para ir para o forno. Com a pele saindo do corpo, cozida internamente, meio dourada por fora e com os ossos das asas queimados, assim ela foi ao forno, com nossos votos de boa sorte aos convidados, e com um tempero caseiro preparado pela mãe do Cleytão jogado por cima, para disfarçar.

Neste meio tempo, os comilões começaram a chegar. Primeiro o casal do dia, Celso e Talita, e logo em seguida, Ulliana e Fátima. Eu e o Luis, prevendo que o resultado do assado seria chocante demais e que até o final da tarde alguma merda havia de acontecer, abrimos uma garrafa de vinho, e ingerimos a danada em alguns goles. Ao menos teríamos a desculpa de estar bêbados quando começássemos a rir da cara de todo mundo quando o frangão saísse do forno.

As meninas começam o preparo do arroz. Os caras continuam a beber cerveja, e a colocar os assuntos em dia, animadamente.

Começa a sessão de vídeo. Honestamente, quem já viu vídeo de casamento sabe que não existe coisa mais monótona. Nem os noivos assistem aquilo. O ponto alto do vídeo foi o Ulliana piscando indiscretamente pro Celso, numa atitude totalmente gay. Quem já conhece o Ulliana sabe que ter tendências gays não é novidade pra ele, mas ele costumava ser mais discreto.

Alguns minutos antes das quatro, chega a hora da verdade: o Chester é retirado do forno. Visualmente, ele se parece com um Chester. Mas a verdadeira pergunta é, ele vai ter gosto de Chester?

Deixamos os convidados se servirem. Nenhum dos quatro que sabiam da história do preparo toca na comida. Com tantas cobaias disponíveis, não seríamos nós os tontos a descobrir primeiro que a ave foi um fracasso total.

E, para nossa supresa, os convidados aprovaram! Fui me servir do meu pedaço e, diabos!, não é que aquele troço estava bom? Praticamente preparado pela vó. Missão completada com sucesso.

Às quatro horas começou o jogo, Corinthians x Santos. Assistimos saboreando o melhor Chester já feito, acompanhado de arroz, farofa e maionese. E cerveja. E vinho. E mais cerveja. E claro, de um bom papo, e da companhia de ótimos amigos.

E assim o dia terminou. Aos poucos, os amigos foram embora de barriga cheia e sorriso no rosto. O Luis deixou o mundo dos vivos mais cedo: o vinho foi demais pra ele. E enquanto o domingo terminava, me dei conta de quantas lições aprendi naquele dia. Um homem nunca será derrotado quando sua fome superar o tempo de espera de descongelamento de um Chester. Cervejas aprimoram a habilidade no preparo de alimentos. Forre com papel alumínio também a parte de baixo da ave, para evitar germes. Vinho dá sono, especialmente depois da segunda garrafa. Nunca pergunte como foi preparado o seu prato. E, principalmente, bons amigos são a melhor coisa que você pode ter na sua vida.

PS: Este texto foi escrito tanto tempo depois para evitar algum processo por tentativa de homicídio por intoxicação alimentar ou envenenamento. Como ninguém morreu ou foi parar no hospital, o negócio é dar risada!

8 comentários:

S disse...

Houve um momento decisivo... aquele que vc se pergunta o que fazer???? es que surge a brilante idéia... vamos tomar um cerveja....

Pronto tudo resolvido e o chester foi excelente...rs

Celso Raimundo disse...

Comentário 1: como fazem um blog e não avisam os antigos moradores!!!!
Comentário 2: isso pq avisamos umas 50 vezes pra tirar o treco no sabado pra descongelar!!!!
Comentário 3: não mostrem isso pra Talita e pra Fátima hehe....
Comentário 4: ficou bom pra $#@#$@

Celso Raimundo disse...

Ah, não tinha maionese não!!! E o arroz que minha Talita fez ficou maravilhoso (o Cleytão mesmo disse que nunca viu um arroz tão soltinho na vida dele rs)

Suelly de Menezes Soares disse...

Caraca! Muito bom este depoimento. Sou mulher, mas como a maioria das pessoas só faço Chester no Natal e nunca sei que dia tiro do freezer.
Entrei na net pra saber e eis que leio este belíssimo depoimento!

Amei!

Penha disse...

Adorei !!! dei muita risada.

Anônimo disse...

E eu procurando uma receita básica para temperar chester....morri de rir !!!! Muito legal!!!

Anônimo disse...

Também estou neste dilema, tirei o bicho do freezer hoje cedo e agora estou eu aqui procurando alguma dica para descongelar antes da janta. Muito engraçado, preciso de muita cerveja até conseguir assar ela!!!!!

Rocio disse...

Eu acho que seria ótimo se conseguirmos estes alimentos a todo custo, ou seja, modernizar e restaurantes ofrecer delivery pela internet